segunda-feira, 19 de maio de 2008

E agora, meu craque?

Leandro Silva

O mal de Alzheimer (doença degenerativa do cérebro) está sendo impiedoso com o ex-zagueiro Onça, de 64 anos, vivendo da ajuda de parentes em sua cidade, Santaluz, onde reside sozinho numa casa simples próxima ao velho estádio municipal. Não é difícil ver o homem que já fez pose no Maracanã no time do Flamengo que tinha Ubirajara, Reyes, Tinteiro, Fio Maravilha e Caldeira, em 1971, perambulando pela cidade.

Onça é mais um ídolo do passado a enfrentar situações tristes, assim como o campeão mundial Nilton Santos, lateral campeão mundial pelo Brasil em 1958, que tem até verbete em enciclopédia, internado no Rio de Janeiro com a mesma doença, e muitos outros. Afinal, os heróis também sangram.

“Tem muita gente que não está em boa situação, não. Muitos também fizeram bobagem e perderam tudo que tinham. Existem jogadores que não tiveram a oportunidade de estudo e não têm uma profissão definida”, comenta Iberê, ex-goleiro do Vitória, hoje médico ortopedista.

psicológico – “A questão de transição da carreira é muito importante. Porque ela é breve e, se o jogador não tiver se preparado bem, pode ficar sem rumo. Por isso, é necessária essa preparação, principalmente porque alguns atletas têm medo desse momento e tentam protelar suas carreiras, mesmo sem ter o mesmo rendimento”, explica o psicólogo Rafael Tedesqui.

“O jogador imagina que nunca vai parar de jogar. Não que eu tenha feito uma programação em cima disso, mas fui convidado para trabalhar na (rádio ) Sociedade logo depois do final da carreira. Fui um dos primeiros a ser comentarista”, diz o ex-meia-esquerda Eliseu Godoy, apresentador e comentarista.

Quando consegue engrenar em uma outra profissão ligada ao futebol, logo em seguida ao final da carreira, essa transição é facilitada, como Eliseu, que jogou no Santos na época de Pelé e muitos anos no Bahia, no final da década de 60 e início dos anos 70.

Normalmente, as atividades preferidas dos ex-jogadores são a de treinador e comentarista. Mas nem sempre encontram vagas no mercado. Para Douglas, amigo de Eliseu desde menino, no Santos, ter se mantido sempre envolvido com o meio também ajudou. “Eu sou um privilegiado porque estou sempre trabalhando com ex-atletas e ainda jogando”, diz.

O ex-meia Zé Carlos, campeão brasileiro pelo Bahia, é outro que se mantém no futebol. Ele é responsável pelas escolinhas do Inter em Salvador.

opção - Enquanto alguns conseguem se manter, outros migram para áreas improváveis, como o ex-goleiro do Vitória e do Leônico Iberê, hoje médico.
“Fazia faculdade de Medicina quando jogava. As viagens atrapalhavam, mas depois recuperava. Sabia que no dia de parar precisaria continuar batalhando. Sem ter nada, fica difícil”, procura ensinar Iberê.

Alguns até abandonaram a carreira por causa dos estudos, como Pitada e Aliomar. Pitada jogou no Leônico e no Botafogo e abandonou a carreira com 24 anos para se dedicar aos livros. Hoje é médico.

Já Aliomar Britto, que defendeu Bahia e Vitória, abandonou o futebol aos 27 anos para se dedicar ao Direito. Hoje é juiz, atuando como desembargador substituto no Tribunal de Justiça. O ex-goleiro Ronaldo, campeão brasileiro com o Bahia em 88 e finalista da Série A em 93 com o Vitória, forma-se em Direito este ano.

Existem alguns ex-jogadores fominhas, que sentem falta, mesmo, é de estar dentro de campo fazendo o que mais gostam. O inesquecível Baiaco é um deles. “O que eu senti mais falta foi deixar de jogar bola. Se não é o meu joelho, eu tô até hoje jogando o Intermunicipal”.

Geralmente às quinta-feiras, aos 58 anos, sai de São Francisco do Conde, onde foi funcionário municipal, para bater uma bolinha na AABB com outras cobras-criadas como Zé Eduardo, Zé Augusto, Osmar e Maílson.

“Sinto a mesma falta do torcedor do Bahia: de um jogador como eu defendendo o clube hoje”, diz Baiaco. Não se arrepende de ter recusado propostas de clubes como o Flamengo, devido à identificação com o tricolor.

Irmão de Caetano, contratado com Baiaco pelo Bahia na década de 60, o ex-atacante Osmar, campeão brasileiro com o tricolor em 88 e também aposentado, é outro que não se afastou do futebol. “A minha parada foi precoce, ainda tinha gás”, diz. Ele deixou os gramados com 42 anos, idade de Romário.

O ex-meia Zé Eduardo, ídolo de Bahia e Vitória nas décadas de 60 e 70, também ainda bate sua bolinha na tranqüilidade da aposentadoria. “Mesmo em uma época em que não se ganhava dinheiro para ficar rico, deu para juntar um pouco e nunca passei dificuldade”, garante outro aposentado do INSS, que tentou o comércio, mas se quebrou no investimento no governo Collor.

O ex-zagueiro Zé Augusto, outro que conseguiu se aposentar graças a empregos na área privada, também não dispensa um baba. “A felicidade que eu tenho do futebol foi ter vestido a camisa 3 do Bahia por 10 anos, e o carinho da torcida, mas em termos de respaldo, não teve muito”.

Assédio – “Na hora que você é idolatrado, a auto-estima vai lá pra cima. Depois a gente cai no esquecimento. Conheço muita gente com depressão por causa disso. Vários continuaram achando que iam chegar no lugar e dizer eu sou fulano de tal e receber o mesmo tratamento, mas não é assim”, diz Eliseu.

Eliseu continua sendo parado nas ruas, não só pelo que fez nos campos. “O pessoal da faixa dos 40 pra cima ainda me pára pelo que me viu jogar. Aí o filho vem falar pois me conhece da TV”.

O ex-meia Emo, aposentado, prefere assistir aos jogos pela TV. “Não vou aos estádios, porque quando ouço a torcida gritar, dá vontade de estar lá dentro”.

Matéria publicada originalmente no Jornal A Tarde do dia 18/05/2008

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