quinta-feira, 17 de abril de 2008

Entrevista com Delcir Rodrigues, dirigente do Real Salvador

Leandro Silva

Delcir Rodrigues é diretor de futebol do Real Salvador e agente de jogadores. O Real é um clube baiano fundado em 9 de outubro de 2002 com o intuito de revelar talentos e futuramente conseguir ser a tão esperada terceira força do estado. Mas está parado e deve retornar às atividades, voltado apenas para a formação de jogadores.

O Real Salvador chegou a disputar torneios internacionais e montou uma equipe profissional que participou da segunda divisão do Campeonato Baiano. Um dos principais frutos do trabalho do time foi a revelação do meia Leandro Lima, contratado pelo Porto, em 2007, depois de se destacar com a seleção brasileira no último Mundial Sub-20. Recentemente, foi noticiado que o meia teria adulterado a idade.

Rodrigues é ainda um dos sócios cotistas do Real, que tinha o renomado Newton Mota, responsável direto pela ascensão do Vitória na década de 90, à frente do projeto. Durante essa entrevista, ele fala sobre a equipe, as divisões de base de um modo geral, as principais descobertas do time, as dificuldades em lidar com os “gatos” e também “segurar” as revelações nos próprios clubes.

Leandro Silva - Como funciona um clube que se dedica a apenas revelar jogadores?

Delcir Rodrigues - Um clube que se dedica à revelação de jogadores, como é o caso do Real Salvador, que atualmente está parado para modificar a filosofia, tem que ter uma rede de olheiros espalhada pelo Brasil todo. E tem que ter também seus próprios olheiros, que marcam peneiras em outros municípios e estados. Tem que conversar com a família, ver se é isso mesmo que ela quer para o menino. Depois tem que fazer todos os testes de saúde porque o clube tem que estar precavido quanto a isso. Se for aprovado, ele é alojado e procura um colégio porque não pode ficar sem estudar.

Leandro Silva – E você continua trabalhando com o futebol enquanto o Real Salvador está parado?

Delcir – Estou trabalhando mais sozinho, buscando jogadores pelo Nordeste. Tenho até que mudar isso, procurar mais pela Bahia mesmo, porque sai caro.

Leandro Silva – E achando esses talentos, você manda para qual time?

Delcir – Seria para clubes como São Paulo, Atlético Paranaense, Fluminense, São Caetano, Palmeiras... Só time grande. Busquei o relacionamento com os clubes. Estou trazendo equipes como São Paulo e Atlético Paranaense para a Copa 2 de Julho de Juvenil em julho, que tem tudo para se tornar a maior do país.

Leandro Silva - Há alguma ambição profissional no Real?

Delcir – O Real, na administração do (Newton) Mota, trabalhava todas as categorias até o profissional. Agora, a preocupação é ser realmente um clube revelador de talentos. Vamos ter mirim, infantil e juvenil. Não vai ter nem júnior. Estamos fazendo um ajuste na nossa filosofia.

Leandro Silva - Como eram feitas as negociações dos garotos? Vocês usavam clubes grandes como vitrine ou a venda era direta?

Delcir – A parceria era com o Cruzeiro, mas já acabou. Não é à toa que o (Newton) Mota está no Cruzeiro.

Leandro Silva - Quais foram os grandes nomes que passaram pelo Real Salvador?

Delcir – Jéferson, lateral-esquerdo do Guarantinguetá que foi roubado dentro do Bahia, e o meia Leandro Lima (Porto). O goleiro Júnior, que se destacou na Copa São Paulo (em 2007) e hoje está no São Caetano. O Anselmo Ramon (atacante que se destacou na mesma edição da competição), que o Bahia vendeu pro Cruzeiro.

Mas nosso principal nome é o Guilherme, do Cruzeiro, né? Tem também o lateral-esquerdo Anderson e o Apodi (lateral-direito ex-Vitória), que estão no mesmo Cruzeiro. O Guilherme, lateral-esquerdo, que atuou no Vasco e agora está na Espanha (defende o Almería). O Eduardo, que o Bahia vendeu para o Botafogo (em 2008). E no Vitória tem Ramirez e Caíque.

Leandro Silva – Como você vê a questão dos “gatos” no futebol brasileiro?

Delcir – Eu trouxe um jogador para o Vitória há uns dois anos e ele se destacou logo na Copa Nike e o levaram para o Grêmio. Dentro do Grêmio, descobriram que ele era “gato”. Ele constava como sendo de 92 e na verdade era 87. Isso já é um “tigre”. Eu conheço vários “gatos”. Está cheio de “gato” por aí.

Leandro Silva – Pode dar nomes?

Delcir – Rapaz, é complicado. Senão, vão me processar.

Leandro Silva – E como foi o caso Leandro Lima?

Delcir – Leandro Lima foi um jogador que ficou com a gente durante três anos e, para a gente, ele era normal. Com o documento todo “limpinho”, dizendo que ele era 87. Ele na realidade é 85, mas só estou sabendo agora, através da imprensa. Ele foi roubado do Real Salvador para o São Caetano. Eu ajudava muito ele, mandava dinheiro para a mãe, trouxe chuteira da Itália para ele. E aí roubaram da gente.

O São Caetano divulgou uma nota dizendo que pagou ao Real. O Real vai entrar na Justiça pra saber em que conta ele depositou o dinheiro.

Leandro Silva – Você acha que a imagem do Real foi arranhada?

Delcir - Não arranha. Porque, como eu disse, o Real não foi responsabilizado. Já tem jornal em Portugal, acusando o irmão dele, Narcízio, que jogou aqui no Vitória, mas ninguém prova, não. Ele tem cara de menino. Não dava pra saber. Era um moleque fora de série. Era o destaque da categoria. Eu gosto muito dele.

Leandro Silva – E quais os cuidados para tentar detectar os “gatos”?

Delcir – Fazer pesquisa em colégio. Mas jogador de muito longe às vezes não tem como achar. Descobrimos vários gatos e mandamos embora. Teve um que ninguém desconfiava. Era o Giovanni, lateral-esquerdo, que foi pego como gato numa Copa São Paulo. Tínhamos emprestado ele. Felizmente, ele colocou a culpa num empresário. Esses “gateiros” têm que ir pra cadeia. Só vai mudar quando a Polícia Federal começar a pegar.

Leandro Silva – E o que você acha da Lei Pelé?

Delcir – Eu já sei que (a Lei Pelé) vai mudar. Pelé agora é investidor. Está montando um centro de formação de primeiro mundo em Jundiaí com o Paulista e o Lousanne, da Suíça. E ele vai ter interesse que se mude a lei que ele criou. A lei atrapalhou, claro. Se você é formador, gasta dinheiro com um menino desses e assina um contrato. Num segundo, já tem que se submeter ao que o empresário quer.

Leandro Silva - Como "prender" os garotos se a legislação só permite o estabelecimento de um contrato a partir dos 16 anos?

Delcir – A gente tem que fazer um trabalho diferenciado com a família. Ontem mesmo, eu estive na roça, mostrando quem eu sou, para acreditarem em mim. Se a gente fizer isso, inibe que esses espertalhões façam isso.

Leandro Silva - Como é o processo de formação da garotada? Ela deixa a equipe pronta para atuar no exterior?

Delcir – Já mandamos vários jogadores pro exterior.

Leandro Silva - Newton Motta continua à frente do projeto?

Delcir – Só é sócio cotista, mesmo. Porque ele hoje está no Cruzeiro. Eu também sou sócio.

Entrevista publicada originalmente no site Olheiros.net no dia 10/03/2008

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