O cronômetro marcava 46 minutos da segunda etapa. Depois de receber uma bola recuada, o goleiro Jean abriu na direita para o zagueiro Missinho, que mandou um balão desordenado. Depois de quicar no gramado da Fonte, o beque Advaldo NBA cabeceou para frente, o volante Souza, com a cabeça enfaixada, simbolizando a sua usual raça, cabeceou despretensiosamente. A torcida adversária já comemorava e nem deve ter percebido o risco daquela improvável jogada. Mas a bola traiu os defensores e sobrou para a finalização daquele camisa 15, que saiu do banco para entrar, não só, naquela partida, mas também na história do Esquadrão. O título estava nas mãos dos rivais até os acréscimos do segundo tempo. O que tornou aquele feito ainda mais lendário. Ele fez outros tantos gols, mas se você ouvir alguém falar “o gol de Raudinei”, com direito a artigo definido, não estará a falar de outro.
É muito difícil ver um gol decisivo como o de Daniel, também saindo do banco, na semifinal do Nordeste de ontem, já aos 43 minutos da segunda etapa, e não lembrar de 1994. Essa, que foi uma das maiores emoções que o futebol já me proporcionou, e que completará 26 anos na próxima semana, não aconteceu em uma partida de Brasileiro, Sul-americana, Copa do Nordeste, nem Libertadores. Mas de Campeonato Baiano, naquele que era o 40º dos nossos 48 títulos estaduais.
Imagino que seria voto vencido em uma decisão sobre o futuro dos estaduais. Adianto que, como tradicionalista convicto, faria campanha pela manutenção. Entendo as dificuldades de calendário, escancaradas ainda mais na atual e atípica temporada. Não consigo me desapegar, entretanto, da importância de ser campeão baiano. Acordar na manhã seguinte da conquista de um título estadual tem um sabor especial, doce, como mel. Forte sensação de domínio territorial. E como é bom mostrar essa óbvia e reconhecida superioridade em número de títulos.
A tendência da maioria parece ser contrária à permanência dos estaduais, de um modo geral. Alerto para a necessidade do cuidado com essa onda de diminuição da importância de uma competição para enaltecimento de outras. Já observou que é cada vez mais frequente ouvir que a temporada de um clube está terminada quando é eliminado da Libertadores, ainda que faça boa campanha no Brasileiro? Mesmo raciocínio que diminui feitos de campeões nacionais na Europa que não conquistam a Liga dos Campeões. Concordo plenamente com a diminuição das datas utilizadas no Baiano, pelo menos para as equipes com calendário mais apertado, mas jamais na redução de importância.
Por tudo isso, sigo empolgado e ansioso, tenso, torcendo para que o Bahia supere as dificuldades para utilização do elenco e comece bem hoje, contra a Jacuipense, a participação na fase eliminatória do Baiano, e que consiga conquistar um tricampeonato que não vemos desde 1988, precedendo a segunda conquista nacional. Meu desejo, inclusive, é que o Esquadrão tenha condições de superar a maior sequência de títulos baianos da história: o hepta conquistado de 1973 a 1979, contando com a participação de jogadores lendários como Baiaco, Sapatão, Douglas, Fito, Beijoca e Osni. Isso se o estadual ainda resistir até lá, claro.
Além disso, apenas em 2001 o Bahia conseguiu unificar os títulos da Copa do Nordeste e do Baiano em uma mesma temporada. No sábado (1/8), tentará dar mais um passo em busca de igualar a marca, iniciando a decisão regional em dois jogos com o Ceará, lutando pelo tetra.
publicado originalmente no Jornal A Tarde no dia 30.07.2020